domingo, 25 de janeiro de 2009

"O Crocodilo que Voa - entrevistas a Luiz Pacheco"


Não costumo fazer muitas citações no blog, prefiro ser eu o autor dos meus posts, mas não podia deixar de falar de um livro que ando a ler, que é o que está na fotografia. Como se pode ler, consiste num livro de entrevistas do grande Luiz Pacheco e tem pérolas como:

Respondendo a uma pergunta sobre o sítio mais estranho onde fez amor:

"Vamos restringir isto ao acto sexual, a uma ligação carnal; e como eu sou bissexual, temos de distinguir entre o coito, a cópula e a aproximação carnal, sexual, entre macho e fêmea. Já experimentei as duas modalidades e, às vezes, não se percebe qual das duas dá mais resultado. Desde que haja cumplicidade, ou vai com jeito ou com sabão, ou vai com mulher ou com homem, com um efebo;o lugar mais esquisito pode ser a cama. É o comum, não é? Suponhamos que estou na cama com uma cadela e estou a masturbar a cadela. Isto pode ser muito esquisito para a cadela, porque elas, geralmente, coitadas!, não têm estas comodidades, e para mim, quem me vir de fora, pode achar estranho. Pode ser um caso de extrema gravidade e, como estou a responder com muita seriedade, digo-te que já me aconteceu isso. Estava tão isolado e desesperado, que já fiz com uma cadela. Uma cadela é um bicho bonito e um cão também. Já estive na cama com uma cadela, e com mulheres que eram muito mais cadelas do que a outra, na cama. Também deitei com rapazes, prostitutas que eram mais cães do que os cães."

(posteriormente disse que a questão da cadela era mentira... Mentira ou não, quem assumiria uma coisa dessas?)

Sobre uma das mulheres:

"E a Papuça d'Arrebol, sabe quem é esta gaja? É uma rapariga que viveu comigo, tenho dois filhos dela. Quem lhe chamava Papuça d'Arrebol era o Cesariny para gozar comigo. No outro dia perguntei ao meu filho: sabes quem é a Papuça de Arrebol? É a tua mãe! Ficou assim um bocado baralhado..."

(bela coisa para se dizer a um dos 8 filhos e de uma das raparigas menores com quem se casou, ou não casou, nem sei...)

Respondendo a uma pergunta em que o jornalista o questionava sobre o escrever para ganhar dinheiro:

"Você não estava muito melhor num baile de Carnaval a esfregar a gaita com essas gajas todas? E está aqui a gramar um maluco!"

(sem comentários)

Sobre a sua fama:

"Repare nas minhas calças: sou o gajo das calças curtas. Porquê? Porque não mando fazer um fato desde 1957 ou 1958! E por acaso tinha um bom alfaiate, mas o último fato não paguei e nunca mais lá fui... "O gajo anda de calças assim para provocar, para se mostrar original.". Não é! Eu vejo aí é calças a três e quatro contos, e eu ia dar três contos por um par de calças? Jamais de ma vie, porra!"

(3 ou 4 contos por umas calças é um balúrdio (a entrevista é de 1996)... Ainda bem que o Pacheco nunca entrou numa Levi's, nem numa Salsa... Mas estou contigo nessa, Pacheco! A roupa é muito cara!)

Sobre as suas condenações:

"Estupro é: um gajo dava uma foda e apanhava com um processo. Depois tive outro por rapto e estupro, esse era pior. Por causa dele apanhei alguns meses. Foi com a mãe do Paulo. Um tipo, depois de preso, podia negar: "Não, não fui eu, foi engano. Não era para lhe ir à cona, era só para mexer no umbigo..." Mas eu disse logo: "Fui eu!".

(É incrível a abertura com que ele fala de temas que, para outras pessoas, seriam um bocadinho incómodos...)

Sobre uma história no mundo da tradução (documentada por um vídeo no Youtube):

"Estava então a escrever como negro e a traduzier o Dicionário Filosófico (de Voltaire) para a Presença, mas quem assinava a tradução era o Bruno da Ponte. Eu tinha de o fazer porque era a única fonte de dinheiro, e numa parte ele refere-se a um daqueles malucos profetas da Bíblia que faziam uma espécie de pão com excremento de vaca. Eu estava chateado e o que é que fiz? Escrevi: "Nota do tradutor: é o que chamariamos hoje deliciosas sandes de merda."(risos) Esqueci-me, e aquilo lá saiu em nota do tradutor, que era o Bruno da Ponte. Ele ficou um bocado magoado."

Mensagem para as novas gerações:

"Puta que os pariu!"

(Obrigado, Pacheco! Como um dos alvos desta tua mensagem também te mando para a puta que te pariu! Sei que não te ofendes...)

Pela vossa vida, leiam este livro! Cada vez que o abro encontro pérolas destas e estou mesmo no início. Nem imaginam a dificuldade que tive em escolher estas citações para vos mostrar já que, por mim, transcreveria o livro todo, sem problemas... Não referi nada aqui dos seus famosos insultos aos escritores da nossa praça, porque tinha tanto por onde escolher que nunca mais acabava isto. Mas é hilariante a maneira como ele ridiculariza génios que nós consideramos intocáveis como Vergílio Ferreira, José Saramago, António Lobo Antunes ou José Cardoso Pires...

É uma personalidade singular da nossa história e, segundo dizem, muito talentosa (eu nunca li nada dele mas estou curioso). O livro de entrevistas é hilariante e uma bela maneira de conhecer esta personagem que mais parece ficcionada do que real.

De referir ainda a bela introdução do organizador do livro, João Pedro George.

Deixo-vos o vídeo com a história das "sandes de merda".



14 comentários:

Anónimo disse...

Porque é que ele fala de si próprio na terceira pessoa? Figura hilariante, sim, mas ficava mais feliz se fosse mesmo ficcional. Pensar que há pessoas assim neste mundo assusta-me :| Mas no que a ti te toca, muito bem, excelente trabalho em expôr o âmago do senhor, mesmo com tantas pérolas por onde escolher! :D

Woody disse...

A pessoa do vídeo não é o Luiz Pacheco, é um amigo dele, suponho que seja disso que estás a falar...

Acho que ele é mais caricato do que assustador, na reflexão do João Pedro George isso é muito bem explicado. Ele criou a áurea de excêntrico e tinha que estar sempre à altura das expectativas e mandar uma ou duas postas de pescada sobre escritores amigos ou ex-amigos dele e pérolas como a da cadela (a própria atitude dos jornalistas em relação a ele era completamente diferente, estavam sempre a picá-lo, à espera da próxima pérola)... Aos excêntricos permite-se tudo, desde que estes estejam sempre à altura das expectativas... Temos também que relativizar, tendo em conta a época em que ele viveu, em que não era assim tão grave o desejo sexual por adolescentes de 14 ou 15 anos. Felizmente evoluímos nesse aspecto, mas nessa altura era o pão nosso de cada dia. Assustam-me mais os supostos defensores da moral e dos bons costumes que acabam por fazer bem pior pela calada... Acho que o provérbio "cão que ladra não morde" aplica-se muito bem a esta figura que era, simplesmente um desbocado com vontade e talento para ser politicamente incorrecto... E tem muito mais piada por ser uma figura real...

Não tive assim muito trabalho... é que eu tenho como o meu maior (e provavelmente único) talento o escrever ao computador... Sou mesmo rápido! É óbvio que eles não fazem estas contas (eles quem? não sei, mas alguém devia saber...), mas devo estar, provavelmente, no top 10 mundial das pessoas que escrevem mais rápido no computador! Ficou-me dos tempos em que tinha aulas de piano. Como pianista fui sempre medíocre, mas em termos de agilidade ao nível dos dedos sou o maior!

Lu.a disse...

Nunca li nada do cavalheiro. Quanto a este livro, oh meu deus, não duvido nem por um minuto que seja hilariante!! É claramente daqueles casos em que a realidade bate a ficção aos pontos...!!
Agora desculpa lá, mas o homem será assim tão repelente que tenha de masturbar uma cadela porque nenhuma gaja lhe pega?? Isso é doentio!!

Woody disse...

Olá! :)

Também nunca li nada dele e, até começar a ler este livro só tinha ouvido falar vagamente da pessoa...

Do pouco que sei da vida dele parece-me que falta de mulheres não era o seu problema, teve 8 filhos de várias mulheres... Além disso era bissexual, o que aumentava o seu leque de escolha... Acho que a cena da cadela é mentira, visto que foi o que ele disse depois (e ele não era menino para mentir sobre estas coisas) embora não estranhasse se tivesse acontecido até porque, como ele disse, "a cadela é um belo animal".

Há malucos para tudo...

Anónimo disse...

Ai não era ele? Ah, isso explica a 3a pessoa então...
Tu tocaste piano e eras medíocre? Eu tb :D

Anónimo disse...

O Saramago, mesmo sendo alvo directo de muitas ´farpas´ que teve que encaixar do Pacheco, após a morte deste veio dizer que ele fará muita falta à literatura portuguesa! Isto é a prova que depois do fim, todos são amigos! Cá para mim, o Pacheco diria: "Vai mas é lavar as ventas ó espanhol!"

Mas, a melhor é uma das últimas em que diz que o Saramago escreve no nível de "cão" loool mesmo se o Saramago lhe emprestasse 20 paus!

Woody disse...

lothlorien

Era bem medíocre! Não tinha paciência para aquilo e ia para as aulas sem treinar... Mas tenho a certeza que bato a Maria João Pires aos pontos no que diz respeito à dactilografia :p

Daniel

O Pacheco disse que o Saramago era o cão da Augustina. A opinião que ele tinha do Saramago era que tinha atingido algo tão grande com o Memorial do Convento que nunca iria superá-lo e que tudo o que escrevesse depois não valeria a pena e seria, pura e simplesmente, motivado pelo dinheiro...

Por este ser um blog pretensamente humorístico dei um maior destaque ao lado mais zombeteiro do Luiz Pacheco mas ele marcou de facto a literatura portuguesa: como escritor, crítico e editor, tendo lançado muitos dos nossos grandes escritores... ele sabia o que dizia. E não fosse tão desleixado, talvez tivesse deixado uma obra maior.

A sua vida sui generis e a sua personalidade faz dele uma personalidade muito densa que não pode, de modo nenhum, ser resumida à sua maluqueira, ainda que este traço seja bastante saliente.

A maioria dos escritores aceitavam as criticas do Luiz Pacheco com bastante fair play, porque "ele era assim". Algures nos anos 90 o Saramago adoeceu e o Pacheco disse-lhe qualquer coisa do género:

- Põe-te bom que ainda vamos juntos ao funeral do (José Cardoso) Pires (outro dos seus alvos predilectos, de quem ele dizia ser uma mandrião e que não suportava as boquinhas do Pacheco).

Havia muita gente que não o suportava porque, no meio de tanta maluqueira, ele dizia muitas verdades como, por exemplo, a comparação que ele fez entre a "Aparição" e um livro do Fernando Namora em que este, prova categoricamente um (suposto) plágio de Fernando Namora...

Anónimo disse...

Sim, concordo que a obra seria muito mais valorizada se a maluqueira e extravagância de Pacheco não fosse vista como má educação típica de uma pessoa mal formada (eu pensei isso aquando dos meus 17 anos me deparo com um texto de Pacheco). No entanto, com o tempo, e à medida que ia conhecendo um pouco melhor, fui vendo que ele, de facto, foi uma personalidade diferente (um "génio" incompreendido porque não queria ser compreendido). Colocou sempre palavras menos próprias na sua critica, contudo, sempre a fez abertamente expressando-a em vários artigos. É isto que o distingue dos ´cobardes´ LOL ele dizia, de facto, o que pensava e fazia uso das palavras que melhor se encaixavam na sua crítica. E como alguém já disse, ele não tinha problemas em morder a mão que lhe deu de comer. Uma coisa é certa, de cínico tinha pouco, e muito de tinto, vinho tinto, sempre! lool

Woody disse...

Concordo plenamente! A imagem do génio, excêntrico e tudo...

Dizem q isso do alcool é mito. Acho que ele tinha um problema de hipersensibilidade ao alcool, à mínima coisa ficava logo a cair para o lado. Isso foi erradamente interpretado como alcoolismo.. É preciso ver que ele não morreu novo... Morreu sozinho, abandonado e, de certo modo, infeliz, mas morreu velho...

Anónimo disse...

Não conheço a peça nem o trabalho, apesar de conhecer algumas "estórias", julgo eu por ti...

de qualquer maneira depois de ler este post a minha vontade de conhecer é: zero!!!

e lembro-me do meu pai, um tacanhozito lá da aldeia, que diz qualquer coisa do género: com estes malucos todos, qualquer coisa é arte...

eu digo asneiras e tenho a malta toda a tripar porque não é digno, outros são acusados e culpados de pedofilia e todos nós achamos horrendo, mas ele era artista...

o meu olhar conservador, como tu bem conheces, já colocou esta personagem num local muito especifico da minha cabeça...

quanto ao woody, a sério, ele escreve mesmo rápido, é um gajo cheio de talentos, mas a forma como ele escreve no pc é um bocado assustadora...a malta pode começar agora a perceber quem têm pela frente: um cromo que escreve muito rápido o pc é pk não faz mais nada, tem óculos fundo de garrafa e borbulhas na cara.:)

de vez em quando dá-me para isto, tentar ser engraçado como tu, mas devo ter falhado outra vez...

abraços


tiago pinto

P.S. a 1ª parte não era para ser engraçado, óbvio...

Anónimo disse...

Olha, andas a fazer a gazeta? Pões os teus talentos a uso e escreve. Preciso da minha daily fix! lol

Woody disse...

tiago

Estás a tomar a mesma atitude que os outros que te acusam de dizer asneiras... Não vejo mal nenhum nisso...

A pedofilia é mais grave mas, de qualquer maneira, ele acaba por explicar isso bem. Eram outros tempos e as raparigas de 15 anos já eram adultas, principalmente quando vistas pelos olhos de homens que viviam numa sociedade em que a divisão sexual era muito grande...

Apesar de tudo revolto-me mais com aqueles que as fazem pela calada... Este era um excêntrico, à imagem do Dali e, muito daquilo, era show off... No fundo era um pobre diabo... Muitas coisas dizia pela boca para fora e os jornalistas citavam-no. Aquela de mandar para a "puta que pariu" as novas gerações foi porque estava farto de aturar o jornalista...

Para escrever assim tão rápido só tinha mesmo que ser tipo seboso e com óculos, mas ao menos não engano ninguém :p Não é, ó Rui Santos da blogoesfera?

lothlorien

Obrigado pelas simpáticas palavras de incentivo :) Como vês, foi só pedires e escrevi um post!

Se pudesse ganhar a vida com este meu talento de dactilógrafo era o que fazia... Mas para o fazer, teria que fazer mesmo gazeta :p

Tari disse...

Já ouvi falar deste Senhor mas exactamente pelas mesmas razões que tu e desconheço totalmente o seu trabalho.

Confesso que acho bastante caricata e transcendente a sua personalidade e agora fiquei ainda mais curiosa com estes enxertos que, pelo menos, tenho em vista uma espreitadela fnaquiana ;)

Beijinhos**

Carlinhos disse...

Acabei de comprar o livro, queria recuperar a entrevista com que o descobri- a primeira do livro, entrevista à K em 1992. Para quem nunca leu o senhor, para quem tem curiosidade, para quem não tem nada para fazer deixo aqui um link - http://bibliomanias.no.sapo.pt/comunidade.htm - são só excertos da comunidade, na minha opinião das coisas mais bonitas alguma vez escritas em língua portuguesa.