domingo, 26 de outubro de 2014

O capitalismo das Lulas-vampiro, segundo Matt Taibbi



Título: Griftopia: Bubble Machines, Vampire Squids, and the Long Con That Is Breaking America

Autor: Matt Taibbi Editora: Spiegel & Grau

Data de Publicação: Novembro, 2010

Língua: Inglesa

“Griftopia: Bubble Machines, Vampire Squids, and the Long Con That Is Breaking America” (o que, em português, quer dizer qualquer coisa como “A Utopia dos Aldrabões: Máquinas de Bolhas, Lulas-vampiro, e a Grande Golpada que está a destruir a América”) é o último livro [1] do jornalista da secção de política da Rolling Stone, Matt Taibbi. Publicado em Novembro de 2010 pela Editora Spiegel & Grau, proporciona uma perspectiva arrojada e provocatória sobre as causas e os episódios que conduziram à crise financeira de 2008, assim como as suas consequências.

Matt Taibbi, que chegou a jogar basquetebol na liga da Mongólia, tem vindo a dedicar a sua atenção a Wall Street escrevendo artigos demolidores sobre o tema. E demolidores é dizer pouco. De facto, Matt Taibbi é um dos maiores críticos do clima de impunidade que se vive no sector financeiro e do impacto devastador que a “mão invisível” dos mercados tem na economia mundial. Mais do que relatos sobre o cinzento mundo da alta finança, as suas reportagens, ao bom estilo do jornalismo gonzo, parecem histórias de gangsters. Mas com algumas diferenças relevantes. Nestas histórias de gangsters, os mafiosos não só não são presos ou mortos em tiroteios, como recebem uma quantidade absurda de dinheiro dos contribuintes e são escolhidos por quem os devia punir para resolver os problemas que causaram. O que ao nível das verdadeiras histórias de gangsters é o equivalente a nomear Tony Soprano para Director do FBI ou Tony Montana para Ministro da Defesa.

Uma boa compreensão da actual crise socioeconómica não dispensa o recuo à crise financeira de 2007-2008, tarefa nada fácil, dada a complexidade do tema. Talvez por não ser formado em Economia, Matt Taibbi consegue explicar o funcionamento da fábrica de bolhas de Wall Street, todo o processo de desregulação da economia que levou à crise e as bases políticas para essas decisões, de um modo acessível, partindo sempre de casos concretos em que essas decisões afectam a vida do cidadão comum. A tónica do livro é predominantemente pessimista e faz-nos perceber que pouco mudou desde 2008 e o que mudou não foi para melhor: os bancos de investimento que provocaram a crise estão ainda mais poderosos e a população em geral está cada vez mais pobre. Se muitos esperavam um ressurgimento da esquerda e uma resposta keynesiana aos problemas criados por esta crise, o que aconteceu foi precisamente o contrário (austeridade, austeridade, austeridade e… austeridade). É pois um depoimento esclarecedor, sério e bem fundamentado que Matt Taibbi faz sobre a maior crise desde a Grande Depressão, uma realidade extremamente complexa que a maior parte das vezes é analisada segundo slogans enganosos e redutores como “vivemos acima das nossas possibilidades” ou “a culpa é do Estado Social” e gráficos do Medina Carreira.

Para além do interesse da história, o livro de Matt Taibbi distingue-se pela sua qualidade literária. O estilo de Taibbi é peculiar, de quem está verdadeiramente revoltado com o que aconteceu, recorrendo mesmo ao uso de palavrões ou insultos. Atribui, por exemplo, ao ex-Presidente da Reserva Federal Alan Greenspan o título de “Maior escroque, parvalhão, inútil, incompetente, mentecapto, oportunista, ectoplasma, baquibuzuque, espécie de estrato de ornitorrinco enlatado do Universo”. Na verdade Taibbi chama-lhe apenas “asshole” mas não quis perder esta oportunidade de, também eu, brindar o desprezível e vaidoso economista com alguns insultos em português. É difícil a incompetência, irresponsabilidade, desonestidade e preconceito ideológico deste político disfarçado de escriturário não despertar o lado Capitão Haddock que há em todos nós. Afinal foi ele o grande responsável político pelas medidas de desregulação do sistema financeiro implementadas desde que tomou posse como Presidente da Reserva Federal, ainda durante a administração Reagan. Como por exemplo a grande pressão que exerceu para impedir a regulação das derivativas (os complexos instrumentos matemáticos que foram utilizados para mascarar muitas das aldrabices levadas a cabo em Wall Street).

São constantes as referências à cultura pop ao longo de todo o livro (ou não se tratasse de um jornalista da Rolling Stone [2]) e apresenta um humor bastante apurado. Tudo isto sem que se possa pôr em causa a validade dos factos que relata, abordando questões como a filosofia perversa de Ayn Rand, a grande referência intelectual da direita americana e, porque não dizê-lo, dos neoliberais em geral, conhecida pela sua eloquente defesa do primado do individualismo e da ganância como qualidade necessária para a evolução da sociedade (uma espécie de homo psicopatis que, de maldade em maldade, nos leva a um paraíso sem estado e em que todos somos bestas egoístas, ainda que milionárias); da especulação em commodities e da transferência de recursos entre a economia real e o mundo financeiro que esta origina; da bolha do subprime; da forma absurda como o Tea Party falhou o alvo da sua contestação; dos aspectos criticáveis da reforma do Sistema de Saúde encetada pelo Presidente Obama e do papel da Goldman Sachs em quase tudo o que de mau se passa no Mundo.

Vale a pena salientar a questão da Goldman Sachs, pelo destaque que deu a Taibbi. Se hoje é opinião mainstream que a Goldman Sachs (escola que já formou gente tão ilustre como Dr. António Borges [3], Dr. Carlos Moedas, Hank Paulson, Lucas Papademos, Mario Draghi ou Mario Monti) é um ninho de bandidos e a imagem de quase tudo o que correu mal com este capitalismo, quando Matt Taibbi a descreveu de forma brilhante como “uma gigantesca lula-vampiro enrolada na cara da humanidade, com o seu funil de sangue implacavelmente chafurdando em busca de tudo o que possa cheirar a dinheiro” muitos economistas sérios saíram em defesa do famoso banco de investimento, assumindo-se ultrajados pelo insulto feito a uma instituição tão respeitada e que fez mais pelo Mundo do que a Cruz Vermelha, os Médicos Sem Fronteiras, a Greenpeace, o Homem Aranha e o Inspector Gadget todos juntos. Acontece que hoje o papel pernicioso da Goldman Sachs na economia é consensual (até os próprios o admitem e parecem apreciar a sua nova imagem de arqui-inimigos da decência) e a imagem da lula-vampiro colou-se de tal maneira à sua marca que é difícil alguém nos media norte-americanos referir-se à Goldman Sachs sem se lembrar desta brilhante metáfora. Ao ser dos primeiros a apontar o dedo à Goldman Sachs, Matt Taibbi conseguiu uma pequena vitória sobre o capitalismo selvagem, que o ajudou a posicionar-se como uma das mais importantes referências intelectuais do movimento Occupy Wall Street. O livro de Taibbi não está traduzido em português e tanto quanto sei não está previsto que saia em Portugal. No entanto, é possível adquiri-lo na sua versão original a um preço bastante acessível em qualquer livraria on line, quer em papel quer em ebook. Além disso, disponibilizo o meu exemplar do livro a todos os que manifestem interesse na sua leitura. Os seus artigos na Rolling Stone estão todos disponíveis gratuitamente no site desta revista (www.rollingstone.com) e o seu blogue é [4] frequentemente actualizado (http://www.rollingstone.com/politics/blogs/taibblog) [5].

[1] Depois da publicação deste texto, Matt Taibbi lançou o também interessante "The Divide: American Injustice in the Age of the Wealth Gap".
[2] Depois da publicação deste texto Matt Taibbi abandonou a Rolling Stone e está à frente da criação de uma nova revista on line centrada sobre o tema da corrupção financeira, inserida no grupo editorial First Look Media fundado por Glen Greenwald, Laura Poitras e Jeremy Scahill com o patrocínio do fundador do eBay Pierre Omidyar.
[3] Depois da publicação deste texto, António Borges morreu. Este tipo de pessoas também morre.
[4] Era...
[5]  Passou-se tanta coisa desde que este texto foi escrito. O tempo passa, as coisas mudam...

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